O melhor caminho para o sexto título em 2022 é investir na continuidade do técnico, mas também cobrá-lo por seus equívocos

O melhor caminho para que o Brasil tenha condições de buscar o hexa em 2022 passa pela continuidade de Tite. Mas um atalho importante para que este caminho não se transforme numa picada traiçoeira, como aconteceu na Rússia, é que o técnico seja retirado do pedestal ao qual foi alçado desde que assumiu a seleção brasileira. Que seja cobrado por decisões discutíveis e percebido como o que realmente é: um técnico inteligente e competente, que, como todos os técnicos, comete erros.

Como um banho de gelada realidade sobre o lombo de quem acreditava que a aventura russa era um mero protocolo na busca pelo sexto título mundial, os erros de Tite tornaram-se mais evidentes justamente nos cinco jogos disputados na Copa. Erros que começaram na convocação, passaram pela manutenção de jogadores lesionados, como Fred, e por fim desembocaram na própria escalação do time, durante todo o Mundial. Apostar em Gabriel Jesus, a despeito de todos os volteios táticos, foi uma teimosia em que Tite resolveu investir, talvez sucumbindo ao orgulho de, trazendo o título, provar, qual um Midas de Caxias do Sul, que tudo que em que toca vira ouro.

Devido ao volume de jogo no segundo tempo, contra a Bélgica, está sendo disseminada a narrativa da “eliminação digna” – para alguns mais empolgados, quase HEROICA. Mas a queda veio, sobretudo, por uma concepção equivocada, talvez mesmo arrogante, de Tite para enfrentar o forte time europeu, cedendo espaços pornográficos nas laterais, especialmente no latifúndio que Marcelo deixava nas suas costas, com direito a momentos de pânico logo após o segundo gol belga. A seleção de Tite, pasmem, teve momentos de 7 a 1, e se pressionou muito no segundo tempo, também é verdade que a Bélgica resolveu se encolher para defender o resultado histórico.

Qualquer outro técnico seria cobrado de forma contundente, por exemplo, por deixar De Bruyne tão livre a ponto de se entregar a reflexões existenciais no meio-campo. Por nem sequer cogitar que Hazard, de jogo monstruoso, talvez precisasse de alguma estratégia de contenção. Não há problema na torcida se divertir com a piada da Ótima Geração Belga – o problema é que Tite parece ter aderido ao meme. A eliminação do Brasil não foi circunstancial ou aleatória, nem um golpe do destino. Há responsabilidades, desde a comissão técnica, até os jogadores – Neymar novamente sucumbiu quando dele mais se precisava e, para alcançar o status que pretende, precisa decidir justamente esse tipo de jogo.

É inegável que Tite realiza um trabalho importante na seleção brasileira. Assumiu o comando de uma equipe em frangalhos, castigada dentro e fora do campo, e a transformou novamente em uma potência a ser respeitada. São consideráveis as chances de que a continuidade de seu projeto culmine em uma grande Copa do Mundo em 2022, e muito mais provável será se for removido o verniz dourado de infalibilidade que lhe foi colocado. A seleção não precisa de condutores morais da nação, iluminados discursos filosóficos ou mantras de autoajuda: um técnico competente é mais do que suficiente.

Por Douglas Ceconello, Globoesporte.com, Porto Alegre

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