Autista e com grau de surdez, jogador valoriza chance em time profissional no CE

Caio Pedro da Silva, lateral-esquerdo do Horizonte, time da primeira divisão do futebol cearense, encontrou no esporte um espaço de inclusão e a oportunidade de melhorar de vida

– Meu futebolzinho é a coisa mais feliz da vida. Fico longe um pouquinho da família, dos amigos, mas sempre feliz.

A frase é de Caio Pedro da Silva, lateral-esquerdo do Horizonte, time da primeira divisão do futebol cearense. Autista e com grau de surdez nos dois ouvidos, o jogador encontrou no esporte um espaço de inclusão e a oportunidade de melhorar de vida.

Formado na base do Horizonte, o jovem de 21 anos foi peça fundamental no retorno do time à primeira divisão do Campeonato Cearense, quando conquistou o título da Série B em 2023. Entre as referências na posição, estão Marcelo, do Fluminense, e Filipe Luís, técnico e ex-jogador do Flamengo, time do coração do cearense. O ge acompanhou um dia de treinamento dele no Estádio Domingão, em Horizonte, Região Metropolitana de Fortaleza.

– Quando entrou o futebol, aí ele melhorou. Até hoje é danado – brinca a mãe Tatiana Barros, serviços gerais na prefeitura da cidade.

– Ela me ajuda muito. Sempre está no meu pé. Nunca deixa eu desistir – ressalta o jogador.

Ano passado, o meia da seleção da Irlanda, James McClean, confirmou estar no espectro. O Brasil tem mais de 18 milhões de pessoas com deficiência (PCDs), segundo o IBGE. Dessas, 1,2% apresenta dificuldade em ouvir, mesmo com uso do aparelho auditivo. Já os autistas são aproximadamente 2 milhões no país, aponta estudo da OMS, publicado em 2010.

– O autismo foi diagnosticado quando ele tinha quatro anos. Eu não queria aceitar. Por não entender as coisas direito por causa da audição, chamavam ele de doido. Muitas vezes ele não ficava na creche porque as crianças faziam bullying. Aí minha mãe disse: ‘procure mais conhecimento, vá a um especialista’. E fui. Acabou detectado também a perda auditiva de grau leve no lado direito e moderado no esquerdo, a dificuldade de falar e o déficit de aprendizado. Procurei e tinha na escola onde ele estudava, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Olímpio Nogueira Lopes – revelou Tatiana, de 38 anos.

No último censo, em 2022, o IBGE incluiu perguntas sobre o TEA pela primeira vez na história, para ter dados mais sólidos sobre essa população. No Ceará, em 2024, a Secretaria de Saúde (Sesa) registra 10.780 pessoas no espectro autista. Entre as características dessa neurodiversidade, estão as dificuldades de interação social e de comunicação. Além de acolhimento, Tatiana encontrou no esporte a chance de integração e desenvolvimento do filho. Através da escola veio o primeiro contato com a bola, pelo futsal.

O menino introspectivo cresceu e saiu da quadra para dar os primeiros passos em busca da profissionalização como jogador no campo. Começou a atuar no Ajax da Vila, time do Alto Alegre, subúrbio de Horizonte. Depois, integrou as categorias de base do Galo. Mas, sem espaço, quase desistiu da carreira.

– Fui para o Sub-17 do Horizonte e não gostei muito. Saí, voltei para o Sub-20, joguei a Copa Seromo (torneio de base). Em 2022, eu não queria jogar. Estava desanimado. Eu queria jogar sempre, mas queria desistir também. Em 2023, o Adriano foi à minha casa, o Vitão, o Júnior e o Zé Hamilton conversaram comigo e estou ai de novo. Agora estou feliz demais – revelou Caio.

– Insisti, chorei. Mas, graças a Deus. É gratificante fazer parte de um sonho dele – completa Tatiana.

Funcionário do Horizonte, o tio José Hamilton o levou para o futebol, na adolescência. Antes de ser lateral, o jovem de 21 anos atuou como atacante, zagueiro e goleiro. A família está sempre perto. Na final da 2ª divisão do estadual, quando o Horizonte derrotou o Icasa e conquistou o bicampeonato do torneio na Arena Romeirão, todos se reuniram para torcer e comemorar.

O defensor conquistou espaço e assumiu a titularidade na campanha do título do Cearense. Foram 14 jogos, 12 no time principal. Ele marcou dois gols decisivos contra o Crato e diante do Guarany de Sobral, no quadrangular final do torneio.

– Foi uma coisa difícil, né? Eu vinha trabalhando bastante. Eu sempre gostava de jogar de titular. Ninguém gosta de ficar na reserva. Acabou que deu certo. Vi uma portinha aberta. Fiquei esses jogos todinhos, fiz gol, ganhei título. Joguei a final… Minhas pernas pesaram que não dava nem vontade de jogar mais. (Pensei) Como é que eu vou correr agora? Aí fiquei na minha mente. Joguei até o final e deu certo – relembrou o atleta.

Inspiração em Marcelo e Filipe Luís

O camisa 16 é velocista, cabeceador, gosta da bola parada e também sobe para tentar o gol. E ele tem boas referências para se inspirar. Ao ser questionado sobre os melhores, ele brinca.

– Quer só um mesmo, é? Marcelo (Cinco vezes campeão da Champions League e quatro do Mundial com o Real Madrid, hoje defende o Fluminense, com quem já ergueu a taça Libertadores). Filipe Luís também (ex-atleta, bicampeão da Libertadores e do Brasileirão com o Flamengo). Esses dois conheço mais – destaca.

A paixão pelo futebol é herança de família. Caio mora coma a mãe, o padrasto Joabe Silva e as irmãs Tainá e Analícia, de 15 e 10 anos. Mas levanta o olhar e abre o sorriso ao falar dos avós Liduína Barros e José Gadelha. Além dos tios, o avô é outro a transmitir sabedoria de vida e de campo.

– Meu avô, que gosta de esporte, me ensina como faz gol, como joga. Ele assiste televisão e dá uns conselhos bons. Ele já jogou bola pelo interior. Ele fica falando, e eu: ‘tá certo’. Aí fala um pouquinho dele, que jogou bola na vida, como é que jogava de volante, lateral, fazia tudo lá – ressalta o camisa 16.

Em 2024, Caio assinou o primeiro contrato como profissional. Ele estreou na elite do Cearense na derrota do Horizonte para o Maracanã por 3 a 1, na 2ª rodada do torneio. Sob comando do técnico Filinto Holanda, ganhou espaço.

– É um atleta com muita força e velocidade. Ele pega rápido aquilo que se pede. Ele entende só em a gente gesticular. E nos ajudou ano passado, fez gols decisivos. É um menino que melhorou em todos os aspectos. Tenho convicção que o Caio vai ajudar muito a família e os clubes que ele estiver atuando. Hoje está incluso na sociedade. O esporte resgatou esse garoto – destacou o treinador.

– Ano passado a gente teve a primeira oportunidade de trabalhar juntos. É um cara super dedicado, trabalhador – disse o atacante Leozinho, companheiro de equipe.

Retirado do GloboesporteCeara

Caio Pedro da Silva, lateral-esquerdo do Horizonte, e a mãe dele — Foto: Thiago Gadelha/SVM

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