Confira números, aproveitamento e as informações sobre os técnicos do exterior com passagem pelo clube
Paulo Sousa sequer foi anunciado pelo Flamengo, mas já criou um alvoroço, deixando o cargo de técnico da seleção da Polônia sob protesto no país, desde o presidente da Federação até ex-jogadores. Português, ele será o 13º estrangeiro a comandar o time em sua história, o quarto português, carregando ao seu lado a sombra de Jorge Jesus.
O Flamengo já teve no comando do time representantes de oito países diferentes, incluindo três compatriotas de Paulo Sousa. Resgatamos as histórias, aproveitamentos e curiosidades dos 12 antecessores do técnico português. Veja abaixo:
Ramón Platero (Uruguai)
O uruguaio não ficou famoso no Brasil, mas está nos anais do futebol nacional e do Flamengo: ele foi o primeiro estrangeiro a comandar a seleção brasileira, em 1925, e também o primeiro técnico da história do Rubro-Negro, em 1921 – antes, a equipe era comandada pelo então chamado “ground committee”, um comitê formado por torcedores, dirigentes e até o capitão do time.
Além disso, ficou marcado ainda por comandar Flamengo e Vasco ao mesmo tempo (pasmem os senhores!). Isso foi possível porque, naquela época, o Cruz-Maltino havia recém-criado seu time de futebol e disputava a Segunda Divisão do Campeonato Carioca. Platero treinava o Rubro-Negro pela manhã e o rival no fim do dia. Em 1923, acabou trocando de clube em definitivo e deixou o Fla.
Como técnico principal do Flamengo, sem o “ground committee”, foram apenas nove jogos sob o comando de Platero, entre amistosos, Torneio Início e Campeonato Carioca – ele participou dos primeiros jogos da campanha que terminaria com o título estadual em 1921. Ao todo, o uruguaio teve 44,4% de aproveitamento, com três vitórias, dois empates e quatro derrotas.
Juan Carlos Bertone (Uruguai)
O segundo técnico gringo do Flamengo também foi um uruguaio: Juan Carlos Bertone. O compatriota de Platero ficou muito mais tempo no comando do time, de 1925 até 1928. E se tornou o primeiro treinador estrangeiro a ser campeão no Rubro-Negro, ao conquistar o título carioca de 1925, logo em seu primeiro ano no cargo, com um time que tinha sete jogadores da seleção brasileira: Batalha, Hélcio, Pennaforte, Japonês, Candiota, Nonô e Moderato.
Em 1927, desta vez dividindo a função de técnico com o brasileiro Joaquim Guimarães, ele voltou a ser campeão estadual, em um dos títulos considerados mais importantes do Flamengo em suas primeiras décadas. Isto porque o clube havia sido suspenso durante um ano pela AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Athléticos), por ter cedido seu campo da Rua Paysandu para o Atlético Paulistano, que tinha sido excluído da associação paulista.
Com isso, o Flamengo sofreu uma debandada de jogadores. Após ter a suspensão cancelada, o clube recuperou alguns dos nomes que saíram, mas teve que correr atrás de reforços e usar atletas do seu segundo quadro para completar o elenco, que acabou dando liga. Ao todo, Bertone dirigiu o Rubro-Negro em 109 jogos, com 63 vitórias, 21 empates, 25 derrotas e aproveitamento de 67,4%.
Charles Williams (Inglaterra)
O inglês Charles Williams foi o primeiro técnico europeu no Flamengo, entre 1930 e 1931, mas teve passagem discreta no clube – sequer aparecia em fotos do período nos registros dos jornais, que na época usava poucas imagens. Ele ficou mais marcado no Fluminense, onde foi o primeiro treinador estrangeiro do rival e estava no banco no primeiro Fla-Flu da história em 1912. Pelo Rubro-Negro, foram 45 partidas com só 40% de aproveitamento: 16 vitórias, quatro empates e 25 derrotas.
Izidor “Dori” Kruschner (Hungria)
Sete anos depois, por sua vez, o segundo técnico europeu do Flamengo deixou seu nome na história. Não por conquistas, mas por representar um marco no início da profissionalização do futebol brasileiro. Um renomado treinador húngaro foi o responsável por introduzir o primeiro sistema tático no país com o famoso “WM” – em que cinco jogadores se posicionavam no campo de defesa formando a letra “M”, e os outros cinco faziam igual no campo de ataque com a letra “W”.
A tática já existia na Inglaterra desde 1925 e demorou 12 anos para chegar ao Brasil através de Izidor Kruschner, em 1937 e 1938. O húngaro de nome complicado e apelidado de “Dori” virou uma atração à parte na época, mas sofreu com as críticas. A estratégia de mudança de posições causou surpresa e não foi bem aceita no início. Alguns jornais chamaram o técnico de “louco varrido”. Até cartões postais com ele vestido de açougueiro foi impresso para condenar suas “invenções”.
Kruschner também causou polêmica por seus treinamentos físicos serem mais intensos. Ele até filmava a atividade para corrigir os movimentos que considerava errado. Mas seus métodos deixaram alguns jogadores insatisfeitos, como por exemplo Fausto, a “Maravilha Negra”. Ao todo, o húngaro comandou o Flamengo em 71 partidas e teve 62,6% de aproveitamento: foram 39 vitórias, 11 empates e 21 derrotas.
Ernesto Santos (Portugal)
O primeiro comandante português do Flamengo era quase um brasileiro: Ernesto Santos foi um ex-zagueiro que já vivia há anos no país e virou professor catedrático da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) antes de fazer carreira como treinador – que começou no rival Vasco em 1946, ao ser escolhido após um anúncio de emprego publicado pelo Cruz-Maltino no “Jornal do Brasil”.
Santos já havia trabalhado no Flamengo antes, mas chefiando o Departamento Técnico do clube, que elaborava o planejamento da temporada e era o elo entre o técnico e a diretoria. Após ficar apenas três meses no Vasco, ele voltou para o Rubro-Negro e ganhou a oportunidade de dirigir a equipe em 1947. Adepto de treinos secretos, ele não conquistou títulos, mas teve aproveitamento alto de 66,6% em 48 jogos, sendo 27 vitórias, 10 empates e 11 derrotas.
Cândido de Oliveira (Portugal)
O último português a treinar o Flamengo foi o ex-jogador e jornalista Cândido de Oliveira. Ele chegou ao Brasil em 1950 para acompanhar a Copa do Mundo e virou objeto de desejo do Rubro-Negro. Após o Mundial, aceitou o convite, mas só durante três meses, período em que permaneceria no país. E com uma condição: não receber salário. “Fez questão de fazer gratuitamente para retribuir o carinho com que foi recebido”, noticiava o “Jornal dos Sports”.
No Flamengo, passou a orientar o pai de Jayme de Almeida, que era o técnico na época e virou uma espécie de auxiliar durante a passagem do português. Com o objetivo de promover melhorias no futebol brasileiro, ele instituiu um regime mais rígido de concentração para preservar a saúde dos jogadores. Mas causou polêmica ao se posicionar contra a massagem com óleo, “porque fecha os poros” do corpo, e a favor da massagem com talco. Acabou sofrendo críticas e ironias.
No entanto, as críticas foram muito mais brandas do que as sofridas por Kruschner, por exemplo. “Candinho”, como também era chamado, teve apenas 13 jogos à frente do time rubro-negro no período, entre amistosos e o Campeonato Carioca de 1950. Seu aproveitamento, porém, foi de só 38,4% após somar quatro vitórias, dois empates e sete derrotas.
Depois da breve experiência em território brasileiro, ele retornou para sua terra natal, onde chegou a assumir o comando da seleção portuguesa. Muito famoso no país, Cândido de Oliveira dá nome à Supertaça de Portugal, título disputado entre o vencedor do Campeonato Português e o campeão da Taça de Portugal – e já conquistado por Jorge Jesus.
Fleitas Solich (Paraguai)
Após a leva de técnicos europeus, o Flamengo voltou a apostar em sul-americanos e encontrou no paraguaio Fleitas Solich o seu maior treinador estrangeiro e o segundo que mais comandou o time rubro-negro na história. Foram 526 partidas em três passagens entre 1953 e 1971, ficando atrás apenas de Flávio Costa, que dirigiu o clube em 776 jogos.
Dos sete títulos de treinadores gringos do clube, Solich responde por quatro. Ele foi tricampeão carioca em 1953-1954-1955 – o segundo da história do Flamengo – e conquistou ainda o único Torneio Rio-São Paulo do clube, em 1961. Era chamado de “Feiticeiro” pela imprensa pela capacidade de resolver problemas durante o jogo e se comunicar com seus jogadores em campo.
Solich também ficou eternizado por outros feitos marcantes, entre eles ter lançado Zico. Em seu 11º jogo da terceira passagem pela Gávea, na Taça Guanabara, o técnico colocou para jogar um garoto franzino em que via potencial. Mal sabia ele que aquele jovem viraria o maior ídolo da história do clube. O Flamengo ainda venceu aquela partida por 2 a 1 justamente sobre o Vasco, seu maior rival.
Ao todo, Solich soma 306 vitórias, 111 empates e 109 derrotas no Flamengo, um aproveitamento de 68,7%. Na primeira passagem, inclusive, tinha 70,2% de rendimento quando deixou o clube a convite para treinar o Real Madrid, da Espanha. Retornou ao Rubro-Negro entre 1960 e 1962, quando teve 68% de aproveitamento, e encerrou sua trajetória em 1971 com 55,1%.
Armando Renganeschi (Argentina)
O último título de um técnico estrangeiro no Flamengo foi pelas mãos do primeiro e único comandante argentino da história do clube: Armando Renganeschi, que conquistou o carioca de 1965. Apesar de gringo, ele já vivia no Brasil há muitos anos, desde quando ainda era jogador e já até havia morado no Rio de Janeiro, quando jogou pelo Fluminense nos anos 40.
Seu bom papo e seu esquema de jogo ofensivo, com linhas altas na defesa e meio de campo, permitindo o apoio contantes dos laterais, conquistou a torcida. Ao todo, o argentino que virou “Renga” para a imprensa comandou o Rubro-Negro em 129 partidas entre 1965 e 1967: foram 56 vitórias, 35 empates e 38 derrotas, com um aproveitamento de 56,9%.
Modesto Bria (Paraguai)
O segundo paraguaio a treinar o Flamengo também ficou marcado no clube: Modesto Bria, ex-jogador rubro-negro que fez carreira fora dos gramados exclusivamente na Gávea. Trabalhou desde as categorias de base até o profissional, onde foi uma espécie de “eterno interino”, acionado em quatro passagens para comandar o time entre 1959 e 1981.
Diferentemente de Solich, ele não conquistou títulos, mas também teve feitos marcantes. Enquanto seu compatriota foi quem lançou Zico, Bria teve participação na chegada do futuro craque ao clube. Ele treinava o time juvenil quando o garoto foi levado para teste. O técnico titubeou por conta do físico franzino do garoto, mas acabou permitindo que ele participasse da atividade.
Bria também foi quem descobrir o maestro Júnior nas areia de Copacabana e o levar para o Flamengo, além de ser o responsável por mudar a posição de Mozer, que era atacante e virou um dos maiores zagueiros da história do clube. Por outro lado, não aprovou Nunes na base, e o centroavante profetizou: “Um dia vão me querer de volta”. Dito e feito: em 1981, ele foi treinado pelo técnico paraguaio antes de virar herói nos títulos da Libertadores e do Mundial.
Ao todo, Bria comandou o Flamengo em 84 jogos, com 47 vitórias, 16 empates, 21 derrotas, e um aproveitamento de 65,4%. Dividindo por cada passagem, foram 66,3% de rendimento entre 1959 e 1960; 50% em 1967; 100% nas três únicas partidas em 1971; e 73,5% em 1981, ano mais dourado da história do clube – mas o técnico deixou o comando do time antes daquelas conquistas.
Reinaldo Rueda (Colômbia)
O último treinador gringo do Flamengo antes de Jesus foi o colombiano Reinaldo Rueda, em 2017. Em comum com o português, ele também assistiu do Independência a uma derrota para o Atlético-MG antes de começar os trabalhos e estreou em um mata-mata. O comandante chegou às finais tanto na Copa do Brasil quanto na Copa Sul-Americana, mas bateu na trave em ambas.
Se não conquistou títulos, Rueda teve como principais “legados” a titularidade de Cuéllar, volante que virou incontestável no time até hoje, e o resgate de Paquetá, vendido para o Milan, da Itália, por € 35 milhões (cerca de R$ 150 milhões). Porém, causou polêmica com treinos físicos mais prolongados, atividades em campo todo e a definição do time apenas no dia do jogo, na preleção.
Rueda ficou menos de seis meses no Flamengo, pois aceitou convite para virar técnico da seleção do Chile na virada de 2017 para 2018. Ao todo, o colombiano comandou o Rubro-Negro em 31 partidas, com um aproveitamento de 52,6%. Foram 13 vitórias, 10 empates e oito derrotas.
Jorge Jesus (Portugal)
Em 2019, Jorge Jesus foi contratado pelo Flamengo para enfrentar uma crise técnica depois da tumultuada saída de Abel Braga. Teve percalços no começo, como a eliminação da Copa do Brasil para o Athletico-PR, a derrota para o Emelec no jogo de ida das oitavas de final da Libertadores e a péssima atuação contra o Bahia, pelo Campeonato Brasileiro, quando perdeu por 3 a 0.
Depois disso, no entanto, engrenou uma sequência de grande resultados com desempenho de alto nível. Foi campeão brasileiro com sobras e recordes. Venceu a Libertadores em uma final emocionante contra o River Plate e levou para a prorrogação a decisão do Mundial de Clubes contra o Liverpool, sendo derrotado por 1 a 0.
Em 2020, conquistou a Supercopa do Brasil, a Recopa Sul-Americana e o Carioca. Deixou o clube depois de uma longa novela, que teve até viagem do então presidente do Benfica Luis Felipe Vieira ao Brasil para levá-lo de volta para Lisboa.
Jesus terminou sua passagem pelo Flamengo com cinco títulos e quatro derrotas. Foram 58 jogos, 44 vitórias e 10 empates, com 82% de aproveitamento e uma relação intensa com a torcida, que até hoje canta “Mister” na arquibancada em sua homenagem.
Domenec Torrent (Espanha)
Com a saída de Jesus, o Flamengo não pensou duas vezes e foi novamente atrás de um estrangeiro. Depois de entrevistar alguns candidatos e com a pandemia de Covid, os dirigentes optaram pelo espanhol Domenec Torrent, que tinha como principal virtude em seu currículo o fato de ter trabalhado com Guardiola como seu auxiliar.
Algumas goleadas sofridas e outras aplicadas deixaram no ar um desequilíbrio em seu trabalho. Dome sofreu com surtos de Covid no elenco, mas nem isso foi capaz de amenizar a decisão de sua demissão, que ocorreu depois de uma goleada para o Atlético-MG por 4 a 0.
Domenec comandou o Flamengo em 26 jogos, com 15 vitórias, cinco empates e seis derrotas, com 64% de aproveitamento. Foram apenas três meses no comando do clube.
Retirado do globoesporte.com
Paulo Sousa em jogo da seleção da Polônia pelas Eliminatórias da Copa — Foto: AFP